Os indicadores sociais de desenvolvimento brasileiros retrocederam 30 anos.
Saiba como isso aconteceu (enquanto o presidente fingia governar) no resumo das semanas #176 — #181 do governo Bolsonaro.
The following takes place between mai-11 and jun-21
Mudando tudo e não mudando nada
Bolsonaro segue na sua jornada para conseguir reduzir o preço dos combustíveis sem que alguém seja pego pela lei das estatais. Primeiro, o presidente trocou o comando do Ministério de Minas e Energia. Depois, demitiu algumas vezes o presidente da Petrobras (ou forçou a sua demissão).
No lugar de Bento Albuquerque, entrou Adolfo Sachsida, ex-assessor especial do Ministério da Economia. Sachsida assumiu o cargo de ministro prometendo privatizar a Petrobras, mas é mais provável que ele repita falas abomináveis como a afirmação de que mulheres merecem ganhar menos do que homens.
CPMI – Conjunto das Melhores Piores Ideias
Como mudar a política de preços da Petrobras não será possível, o presidente (apoiado pelo centrão) resolveu partir para outra frente de ataque, que terá o mesmo potencial de dar certo: corte de impostos.
A estratégia envolve o corte generalizado de ICMS e alguns impostos federais que incidem sobre diesel, querosene de aviação e gás de cozinha. A ideia, que já é ruim pela alta regressividade, fica pior se considerarmos que os estados discordam do cálculo de impacto feito pelo Ministério da Economia e se torna completamente disfuncional ao olharmos o seu impacto macroeconômico: ao manipular o sistema de preços e as regras fiscais do país, o Governo Federal e o centrão aumentam a instabilidade política, o que leva à retirada de recursos do país, aumento do dólar e aumento da gasolina.
Mas tem quem ache que a situação melhorará com uma CPI. Não será o caso. Talvez se privatizarmos a Eletrobras outra vez o país poderá pagar por uma nova rodada de subsídios.
Investigue
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, determinou que os ataques feitos pelo presidente Bolsonaro às urnas eletrônicas sejam apurados em conjunto com o inquérito da suposta milícia digital bolsonarista. A Procuradoria-Geral da República já avisou que não existe crime nas falas análogas a crimes do presidente.
Tira esse fuzil daí
Falando em reação contra pessoas que não gostam de democracia, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, lembrou que o papel dos militares durante eleições é apenas o de burro de carga. Quem define o resultado eleitoral é a população civil.
Jair Bolsonaro acusou Fachin de estar vendo fantasmas e que militares não querem atacar as urnas. Já militares deram razão para Fachin: com o apoio do vice-presidente Hamilton Mourão, elaboraram um plano de governo e depois reclamaram, por meio do Ministério da Defesa, que não foram ouvidos pelo Tribunal Superior Eleitoral — eles foram.
Tá caro, tá miserável e tá com fome
As coisas estão caras. As coisas estão ficando muito caras. As coisas estão ficando tão caras quanto ficavam em 1996. Além disso, a taxa de pessoas que não conseguem se alimentar três vezes por dia dobrou em comparação a 2020 e é o pior número das últimas três décadas.
Tudo isso em um cenário em que a inflação acumula um aumento de 11,73% em 12 meses. Se você chegou até aqui, já sabe: a solução do governo para o problema não envolve gastar R$ 50 bi para reforçar a renda dos mais pobres diretamente.
Pequenas notas do Quinto dos Infernos
- Lula disse que não haverá teto de gastos em seu governo (aquele, que não existe desde 2020).
- A Advocacia-Geral da União defenderá uma ex-funcionária fantasma de Jair Bolsonaro.
- O Incra não recebeu verbas em 2022. Não que Bolsonaro se preocupasse com o órgão.
- O Auxílio Brasil bateu recorde de alcance, mas ainda conta com milhares de famílias fora do programa.
- Faltou foto no Mercadão para Sergio Moro ser candidato em São Paulo.
- Bolsonaro fez intriga política em cima dos mais de 100 mortos nas chuvas que atingiram a região metropolitana de Recife (PE).
- Planos de saúde não precisam mais pagar por tratamentos que não estejam no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
- A XP Investimentos cancelou a divulgação de uma pesquisa eleitoral que repetia o que outras pesquisas estão repetindo há meses: Lula é o favorito das próximas eleições.
- Após pedir ajuda para um golpe, Bolsonaro disse a Biden que pretende terminar o seu governo de forma democrática — quando sair do poder.
- Guedes pediu para que supermercados façam congelamento de preços voluntário até o fim do ano.
Arranhando o disco na hora do play
O cantor sertanejo Zé Neto resolveu atacar a cantora Anitta. Em um show, o parceiro do cantor Cristiano disse que não dependia da Lei Rouanet e que não precisava fazer uma “tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou mão”. Até aí, só mais um dia de baixaria nas redes sociais.
Acontece que não era bem assim. O jornalista Demétrio Vecchioli resolveu dar uma olhada em alguns documentos públicos e descobriu que Zé Neto não depende do dinheiro público da Rouanet porque saca o seu contra-cheque na boca do caixa de várias prefeituras brasileiras. A prática é comum entre os sertanejos, preferidos por prefeitos dos rincões do país, para realizarem as suas festas da manga/pamonha/outro produto popular do interior do país.
Para além da hipocrisia, há também a falta de completo controle sobre o modo como os gastos são feitos. Pode-se até não gostar da Rouanet, mas as chances de um show ser cancelado na Justiça são muito menores se ele for feito com o apoio da lei de incentivo à cultura. Mas aí não dá para ganhar audiência no Instagram.
Tucanando a tucanagem
João Agripino Dória saiu da vida pública para não entrar para a história. Não como ele gostaria.
Diante do alto risco de ser mais um tucano que passa por uma eleição ao Planalto com o seu partido sendo o seu maior inimigo, o paulista desistiu da sua candidatura à presidente. Agora o PSDB está livre para sabotar a candidatura de Simonet Tebet (MDB) enquanto os seus candidatos a deputado federal estão livres para apoiar, de maneira pragmática e/ou ideológica, Bolsonaro.
Triste fim do Tucanato Quaresma
O PSDB nasceu como um partido de intelectuais que desejava romper com o fisiologismo do (P)MDB e realizar um choque de capitalismo no país. Acabou com a hiperinflação, criou bons programas sociais e estruturou o SUS.
Na virada dos anos 2000, passou algumas eleições sendo o maior partido de oposição, ganhando votos de uma direita carente por representantes que fossem mais liberais do que Geraldo Alckmin ou mais à direita do que Aécio Neves. Essas alternativas conseguiram a força eleitoral que não tinham e, agora, o partido terá que retomar a um lugar ingrato: a sombra do protagonismo do MDB.
O país do estado de direito
Uma operação realizada na comunidade de Vila Cruzeira, no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, deixou mais de duas dezenas de pessoas mortas — somente quatro com algum tipo de acusação formal da Justiça (não que exista pena de morte no Brasil). Esta foi uma das ações policiais mais letais da história recente do estado.
A ação contou com o apoio do BOPE e da Polícia Rodoviária Federal. Inicialmente, a Polícia Militar culpou o Supremo Tribunal Federal por ter restringido a realização de operações durante a pandemia, o que teria permitido a migração de criminosos de outros estados para o Rio de Janeiro.
A desculpa só não foi pior do que as utilizadas pela Polícia Rodoviária Federal (sim, de novo), após asfixiar Genivaldo de Jesus Santos no porta-malas de uma viatura com fumaça lançada por seus agentes. Os policiais foram afastados após serem defendidos pela Polícia Rodoviária Federal (e por Sergio Moro) e serão investigados pelo Ministério Público. A PRF também afirmou que aquele tinha sido um caso isolado, o que é uma mentira.
O país da democracia liberal
Este resumo se encerra com o caso do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Araújo Pereira. Ambos viajavam de barco pela região do Vale do Javari, no Amazonas, quando foram mortos. A viagem tinha como objetivo registrar os vários crimes que ocorrem na região sem que o Governo Federal faça algo.
A Marinha e a Polícia Federal, com o apoio de indígenas locais, iniciaram as buscas pelos corpos. Enquanto Bolsonaro tentava justificar a morte de ambos, a PF prendeu pescadores que confessaram o crime. O motivo: terem sido fotografados enquanto pescavam ilegalmente nos rios da região.
O Brasil é um país que se diz uma República federativa e, também, uma democracia liberal. Os acontecimentos da última semana mostram que essas afirmações são só para inglês ver — mas com cuidado, pois se ele olhar demais, pode ser executado por algum criminoso.
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Este texto foi escrito pelo Guilherme e revisado com a ajuda da Ninna. Você também pode nos acompanhar no TikTok, no Twitter ou diretamente em sua caixa de entrada.